Cusco – Guia de Sobrevivência no umbigo do mundo

O povo diz que Manco Capac e sua esposa Mama Ocllo receberam do deus-sol Inti, às margens do Lago Titicaca, a missão de fundar a cidade. Os cientistas dizem que há cerca de 3000 anos alguns peregrinos se instalaram no local, ali vivendo até seu estabelecimento como capital do Império Inca, em meados do século XIII. De um jeito ou de outro, Cusco é a cidade mais antiga da América e desde sua fundação é associada cultura, religiosidade e emoção. De três mil anos para cá, apesar da tomada de Cusco pelo espanhol Francisco Pizarro em 1533, a cidade modificou-se em sua apresentação, mas a essência permaneceu.

Tudo em Cusco é singular. A imponente arquitetura híbrida inca-espanhola, a cozinha andina rica em aromas e sabores da terra, o povo acolhedor, cheio de fé, força e alegria, o clima amistoso e multi-cultural, as tradições antigas, as ruas estreitas, as rochas históricas e o visual deslumbrante.

Montanhosa, Cusco é só ladeira. Para onde quer que você vá, terá de subir ou descer, o que implica em ser apresentado ao famoso soroche, mais conhecido por aqui como “mal de altitude”. Brasileiros estranham os quase 3.400m de altitude, mas podem debelar o desconforto facilmente, curtindo sua chegada com mais parcimônia no primeiro dia. Se a aclimatação não for suficiente, alguns copos de chá de coca ou algum remédio para conter os sintomas geralmente é resolve, já que a altitude não é tão forte por ali. Já se o mochileiro quiser se aventurar para Potosi ou o Lago Titicaca, por exemplo, o ideal é buscar mais informações se não houver tempo para uma aclimatação mais demorada. Recomendo uma leitura um pouco mais apurada sobre o assunto, sendo um bom começo dar uma olhada neste artigo, bastante completo e esclarecedor. No mais, andar despacito e comer poquito no começo ajuda bastante.

Entre uma parada de descanso e um chá de coca, pare para apreciar os muros feitos com pedras milimetricamente recortadas, presentes nas bases das igrejas, nas fachadas do comércio, dentro dos restaurantes. De dia ou de noite, uma caminhada em Cusco revela surpresas em cada esquina, em cada casa, em cada loja, em cada bate-bapo com os locais.

E por falar em bate-papo, esta é a mais natural e rica forma de contato com a cultura local. Teste, sente-se ao lado de um local numa picanteria, apresente-se como brasileño e pergunte sobre a cultura de seu povo. É o primeiro passo para um agradabilíssimo intercâmbio de informações. Qorikancha, Tambomachay, Saqsaywaman, eles sabem tudo de cor sobre seus monumentos e não se importão em falar devagar para que os nativos do português entendam o suficiente. Contarão com orgulho das peripécias de seu povo durante a dominação espanhola, quando foram obrigados a trabalhar construindo igrejas e redesenhando a cidade. Na Catedral, não deixe de reparar na Santa Ceia, à direita do altar. Ali, o rosto de Judas Iscariotes é uma exata cópia da face de Pizarro e no centro da mesa, o famoso cuy, porquinho-da-índia muito apreciado pelo povo antigo e até hoje presente na culinária andina.

A cozinha, então, é um capítulo a parte. Não saia de Cusco sem experimentar o cuy (lembra frango, mas de consistência diferente), a sopa crioula (de tempero forte), o pollo com papas (você vai redescobrir o frango e as batatas com a cozinha peruana), os palitos de anticucho (coração de boi, deliciosamente temperado), aji de gallina (uma espécie de strogonoff de frango mais picante), pappas a huancayno (batatas de um jeito que você nunca viu) e muito mais. Não tenha medo, a cozinha andina é muito diferente da nossa, mas muito gostosa se experimentada de cabeça aberta. Na dúvida, opte pelos restaurantes cosmopolitas, que servem lanches, pratos universais e refrigerantes conhecidos. Não saia de lá, entretanto, sem experimentar a famosa Inca Cola, cujo sabor e aparência você nunca vai esquecer, a Chicha Morada (cerveja à base de choclo – milho – de sabor, digamos, peculiar) e a Cuzqueña, a melhor cerveja do Peru. Ótima, por sinal.

Abaixo, dez dicas importantes para os mochileiros em visita a Cusco.

Dica 1: Soroche Pills. É bastante provável que vão tentar empurrar as famosas pílulas como uma solução moderna e eficaz para os sintomas. Esqueça, a menos que você tenha esquecido suas aspirinas em casa. A composição é rigorosamente a mesma.

Dica 2: Chá de Coca. Não se preocupe, o chá nada tem a ver com cocaína, que é preparada através de vários procedimentos, que incluem a adição de solventes e ácido sulfúrico. Feito apenas com as folhas, tem função levemente estimulante e é bastante digestivo, sendo também fortemente indicado para aclimatação contra o soroche além de ser um ícone da cultura local. Experimente chaccar suas folhas, de gosto amargo e característico, um verdadeiro choque para o brasileiro acostumado a sabores mais fáceis. No Peru seu uso é largamente difundido, as folhas são vendidas em qualquer esquina e estão sempre presentes nas mesas dos restaurantes ou em forma de balas, toffees, roupas e até em saquinhos industrializados para chá. No entanto, não se pode trazê-las ao Brasil, tampouco a alguns países vizinhos. Atente para isso, evitando problemas com a polícia ao cruzar a fronteira.

Dica 3: Coma Bem e Barato. Se você não puder gastar muito, esqueça os famosos restaurantes nas praças principais. Recomendo perguntar numa agência de turismo qualquer ou para os próprios locais onde recomendam comer bem e com pouco. O famoso “soy brasileño, non teño la plata” ajuda bastante e certamente você não vai se arrepender.

Dica 4: Atrações. Estas valem um post inteiro, mas por hora recomendo contratar um city-tour logo no primeiro dia. A maior parte do deslocamento é feito de buzon, o que vai ajudar bastante na aclimatação para o soroche e evitar perda de tempo. Quase todas as agências incluem as igrejas, templos e museus mais importantes. E atenção: não é passeio de tia, os guias no Peru são muito preparados e impressionam pela quantidade e qualidade das informações. O orgulho que têm de sua cultura ajuda bastante e você não vai se arrepender ao percorrer as atrações com um guia explicando a história de cada pedra.

Dica 5: Boleto. Para visitar a maior parte das atrações de Cusco e arredores, recomendo vividamente que você adquira um Boleto Turistico, a forma mais econômica de conhecer tudo que Cusco pode oferecer em termos de história e cultura. No site oficial você confere o preço, o desconto para estudantes (válido para portadores da Carteira Mundial ISIC, que aliás é de grande utilidade em todo o Peru) e as atrações incluídas. Mas atenção: algumas atrações importantes, como a Catedral, o Templo de Qoricancha, o Templo de La Merced e o Museu Inca necessitam de pagamento adicional que vai de cinco a dezesseis soles.

Dica 6: Negocie. Tudo em Cusco é negociável: a refeição, a hospedagem, o taxi, o pacote turístico e sobretudo os preços das lembranças. Nos lugares mais populares, mais visíveis, um objeto que custa cerca de cem soles pode sair por ointenta ou até mesmo setenta. O mesmo objeto, num lugar mais afastado, tem preço inicial de cinqüenta e com alguma insistência sair por cerca de trinta e cinco soles. Se você for bom de papo e dizer que é brasileiro e estudante, pode levar por vinte. Para nós é divertido (e às vezes um pouco cansativo) negociar tudo que se vai comprar. Para eles, é pura tradição.

Dica 7: Câmbio. A economia do Peru é praticamente dolarizada, ou seja, a moeda americana é largamente utilizada em boa parte dos estabelecimentos, sobretudo em cidades turísticas como Cusco. Entretanto, é mais fácil e barato negociar na moeda local. Para tanto, basta trocar seu dinheiro assim que pisar em solo peruano, preferindo fazê-lo em bancos ou casas de câmbio autônomas. Trocar o dinheiro em restaurantes, fundos de loja, na rua ou em qualquer outro lugar é muito arriscado. Há muitos dólares falsificados, antigos e sem validade no Peru. No caso dos soles, tanto pior, já que a moeda é totalmente desconhecida para os estrangeiros. O melhor a fazer é trocar uma boa quantidade logo que chegar, na rodoviária ou no aeroporto, pagando uma taxa um pouco mais alta, mas tendo mais tranqüilidade. O pequeno ganho não compensa o alto risco da transação em locais suspeitos. Por fim, leve dólares e não reais. Apesar de as maiores casas de câmbio os aceitarem, é mais vantajoso fazer a transação em dólares.

Dica 8: Fuja do Óbvio. Um passeio recomendado aos mais aventureiros é sair do eixo central-turístico. Caminhar para o sul mostra uma Cusco totalmente diferente ao mochileiro, com um povo pobre, miserável e guerreiro. É mais perigoso, já que as áreas menos turísticas são bem menos policiadas e o turista se sobressai demais em meio a multidão, já que se veste e se porta de forma totalmente diferente. O passeio, entretanto, vale a pena. Roupas, artesanato, discos e até equipamentos eletrônicos e acessórios são infinitamente mais baratos. O mercado municipal é um espetáculo à parte, onde o mochileiro terá um retrato fiel, ríspido e impactante do abismo social peruano, muito mais acentuado que o brasileiro. Tire um dia para deixar a mochila no albergue, leve pouco dinheiro, esconda a máquina fotográfica e caminhe tranqüilamente. Inesquecível.

Dica 9: Onde Ficar. De hotéis cinco estrelas a albergues quase de graça, Cusco oferece opções de hospedagem para todos os gostos e bolsos. Albergues, pousadas e casas bed and breakfast brotam em cada esquina. Se você se programar para chegar de dia, pode deixar para escolher por lá mesmo onde quer ficar, mesmo na alta temporada (julho). Normalmente, logo na saída do aeroporto ou na própria rodoviária, taxistas e guias informais oferecem aos gritos todo tipo de habitacion, inclusive prometendo levá-lo em segurança ao local. Prefira a região central, mais segura e próxima das atrações principais, muito rica em opções de locais para ficar. Combine o preço do taxi e da hospedagem ANTES de aceitar o convite e prefira não entrar nos taxis sozinho, sobretudo se estiver no aeroporto, mais distante do centro da cidade. Na maior parte das vezes, expressões simples como habitacion con baño privado e agua caliente são suficientes para conseguir um bom quarto um lugar razoável a preços módicos. Se for chegar à noite, uma boa dica é reservar um local por uma noite em sites como o Hostel Planet ou o Hostel World que cobram em média dois dólares para fazer o serviço de reserva online. Confira o endereço e o localize num mapa onde fica o local para mostrar ao taxista quando chegar. Por fim, não estranhe os estabelecimentos com bandeira de arco-íris na porta. O templo de Qorikancha, dedicado ao arco-íris, a Lua e ao Sol foi o que deu origem a bandeira de Cusco, idêntica a que nos é conhecida por indicar estabelecimentos gay friendly. Lá indicam apenas o símbolo estatal.

Dica 10: Taxis. O principal meio de transporte em Cusco (e em geral, no Peru) é o taxi. Barato, abundante, sessenta por cento da frota de veículos peruanos é composta de taxis, quase todos carros muito antigos, porém bem preservados. A falta de uma montadora nacional obrigou os peruanos a aprenderem como conservar muito bem seus veículos com cerca de vinte, vinte e cinco anos de idade, já que o preço de um carro novo por lá é exorbitante. Existem dois tipos de taxi: os oficiais, mais novos e bonitos, que cobram de US$15 a US$20 para levar do aeroporto ao centro e os chamados “municipais”, que não possuem qualquer controle, cobrando cerca de US$5 para cumprir o mesmo trajeto. Não há taximetro e os valores tem que ser sempre negociados com o taxista. Acerte o valor ANTES de colocar as malas no carro e deixe bem claro que não pagará nada a mais. Para qualquer lugar que você olhe haverá um taxi e um simples sinal o fará parar, inclusive de madrugada. Não se assuste com o trânsito e seja amigável com o motorista, que com certeza lhe dará muitas dicas de onde ficar, comer, visitar e comprar.

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7 comentários em “Cusco – Guia de Sobrevivência no umbigo do mundo”

  1. Olá, Rauzito, tudo bem?
    Pretendo realizar minha primeira viagem (internacional e sozinha) para Cusco em Março de 2014 mas confesso que, mesmo lendo seu blog (aliás, dicas muito boas, parabéns!) ainda tenho muitas dúvidas – acho que é a minha falta de “ginga mochileira”, hahah.
    Você poderia me passar seu e-mail, por favor? Dessa forma seria mais fácil nos comunicarmos.
    Desde já agradeço e fico no aguardo. 🙂

  2. Dicas muito legais! estou indo em Maio com minha esposa e confesso q estou com um pouco de receio por passar 7 dias lá… acho q seja alem do suficiente mesmo passando em machu picchu e aguas calientes por 1 dia. tem mais dicas para aguas calientes e machu picchu?? vlwww!

    1. Rafael, sete dias é um ótimo tempo de estadia por lá. Tirando o dia de chegada, bom para aclimatação e o de saída, te sobram 5 dias. Reserve dois para Machu Picchu (durma em aguas calientes para pegar as ruínas bem vazias logo cedo no dia seguinte) e use os outros três para conhecer o centro histórico, os museus e passear por todo o vale sagrado. Talvez você ainda saia com a sensação de que gostaria de ter ficado mais! Boa viagem!

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