Rumo ao Sul: Dia 13 ( Serra do Rio do Rastro e Serra do Corvo Branco )

Falamos aqui de uma região de nobreza ímpar para o Brasil, em aspectos históricos, geológicos, científicos e culturais. Foi com imenso prazer que percorri os 56km da Serra do Corvo Branco e os 154km da Serra do Rio do Rastro que ligam Urubici a Grão Pará, ambos no coração da serra catarinense. O percurso agrada aos amantes de viagens rodovirárias, por ser um dos mais cênicos do país e interessa a todo entusiasta de história e geografia.

A Serra do Rio do Rastro é uma das serras de Santa Catarina que ligam o alto centro ao baixo sul do estado, cortada pela rodovia SC-438, proprietária de uma vista espetacular da natureza ao redor. Muita mata, belas cachoeiras, presença de animais selvagens e lindas paisagens esperam os aventureiros que testam suas habilidades ao contornar o inusitado traçado em zigue-zague da rodovia. Começa na cidade de Lauro Müller, com altitude de 1460m, num belo mirante localizado bem no topo da serra, onde há estacionamento para os turistas apreciarem a vista, tirarem fotos, comerem um lanche e contemplarem dezenas de quatis que se aproximam das lanchonetes em busca de comida. Aqui vale a mesma advertência que fiz no post do sexto dia de viagem (Parque Nacional da Serra Geral).

Todo o  percurso é muito íngreme, cheio de curvas fechadas, que devem ser feitas lentamente, objetivando contemplar a paisagem, observar os animais e rodar com segurança. No caminho podem ser vistos, além dos quatis, alguns felinos de pequeno e médio porte, macacos (não vi os  bugios e macacos-prego que me informaram, mas avistei alguns saguis nas árvores próximas à rodovia). Há registros de pacas, mãos-peladas, tatus e tamanduás nas proximidades, sempre observados por aguias, tiês-sangue, tucanos, araras e papagaios diversos. A região está totalmente preservada.

Culturalmente, a relevância da Serra do Rio do Rastro está ligada a teoria do antigo supercontinente Gondwana (Africa + América) relacionada com a chamada Coluna White, conduzida por Israel White, que constitui um marco histórico na evolução do conhecimento da geologia no Brasil. O  trabalho de White e seus colaboradores, executado entre 1904 e 1906 na região da Serra do Rio do Rastro, é de grande importância para a geologia mundial, tendo lançado um embasamento científico que até hoje permanece atualizado: algumas rochas encontradas na região tem composição idêntica às encontradas na África, provando o encontro dos continentes e embasando cientificamente a teoria da deriva continental, proposta por Alfred Wegener, que assinala ser a crosta terreste  formada por uma série de “placas” que “flutuam” numa camada de material rochoso fundido. Saiba tudo sobre o assunto aqui e aqui – links interessantes mesmo para quem não manja de geologia. O roteiro geológico está demarcado junto a rodovia por um conjunto de 17 marcos de concreto com descritivos das características da geologia local.

E por falar em estradas sinuosas e geologia, outra estrela é a vizinha-irmã Serra do Corvo Branco, cada qual com sua singularidade. O nome “corvo branco” vem do urubu-rei, como é conhecido o animal pelos habitantes da região,  que costumavam avistar seus ninhos junto às escarpas locais, especialmente a que acompanha a estrada. A estrada liga o planalto a região do litoral catarinense, através do município de Grão Pará, onde termina a grande escarpa onde está encravada. Mais curta que a Rio do Rastro, porém pavimentada apenas no trecho mais ingreme, é mais difícil de ser percorrida, mas também muito bonita, fazendo valer a pena o esforço (boas condições em época de seca, porém exige atenção nas curvas e demanda alguma habilidade nas inclinações, porém totalmente vencível com paciência por qualquer um).  A construção da estrada exigiu um corte vertical de 90 m direto na  rocha basáltica (muito sólida) que é o maior corte rodoviário da  engenharia brasileira, necessário por conta da grande inclinação do local.
Ao todo, percorri 56 Km  contados no painel do carro de Grão Pará a Urubici, margeando o Rio Canoas, diversas plantações de verduras e alguns trechos de mata fechada, que volta e meia se abrem descortinando o Morro do Corvo Branco, que dá nome à estrada (1668m de altitude).  Para subir o carro foi bem, mas duvido que em vários trechos seja possível descer em qualquer marcha que não a primeira, mesmo com carros pequenos e sem carga. Presenciei alguns veículos sofrendo em sentido contrário, porém nada que assustasse muito. A Serra do Faxinal (ver aqui e aqui) localizada um pouco mais ao Sul, exige bem mais do motorista.
Normalmente, os guias aconselham o turista que está em Urubici a visitar o Morro da Igreja, que citei lá atrás, retornar e passar pela Serra do Corvo Branco e após Grão Pará, seguir as placas de Lauro Müller, chegando à Serra do Rio do Rastro, fazendo-a de baixo para cima. Fiz o oposto, não por espírito contestador e reacionário, mas por opção mesmo, já que quis por aproveitar o tempo bom do dia anterior para visitar a atração principal – o Morro da Igreja – e reservar a data desse tour rodoviário para o mesmo dia da Cachoeira do Avencal, mais próxima do topo da Rio do Rastro. Foi tranquilo, então deixo a decisão com você.
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