Provavelmente esse seria o dia mais desafiador da viagem no quesito “tempo”. Como conhecer uma cidade tão grande, rica e variada com apenas um dia inteiro para apreciá-la? A ideia era fazer da forma mais calma possível, sem stress e correria, porém conhecendo o maior número de atrações.
Dado o traçado tortuoso com ruas apertadas e acidentadas, repletas de impiedosas ladeiras, a melhor e mais tranquila forma de conhecer a cidade, sobretudo o centro histórico, é mesmo a pé. Contratamos um guia na Praça Tiradentes – cobra-se cerca de 60 reais mais o almoço do guia por um dia inteiro de passeio – e partirmos para uma caminhada em meio a uma verdadeira overdose de informações, paisagens, contos e causos sobre a Inconfidência, a época da mineração e o estilo de vida mineiro.
Para nós, a visita já começou por ali mesmo, no Museu da Inconfidência. Muito bacana, com toda informação e relíquias das Minas coloniais que se pode imaginar. O belo edifício renascentista demorou quase 70 anos para ser construído e hoje é o principal ponto turístico da cidade. Já foi Câmara Municipal e Penitenciária Estadual, mas de 1938 pra cá passou por diversos trabalhos de restauração e preparo, tornando-o um moderno e organizado museu, muito gostoso de visitar.
O trajeto que fizemos acho que pouco importa, já que o montamos de acordo com algumas necessidades particulares que tínhamos: um estava com fome, outro precisava de uma farmácia, outro queria comprar artesanato e por aí vai. Acho que o jeito mais legal de conhecer OP é se jogar nas ladeiras sem pressa, sem obrigações, só para sentir de verdade o lugar. Aquelas ruas apertadas de calçamento rústico e calçadas empoeiradas, repleta de uma arquitetura tão peculiar, me causaram uma sensação parecida com aquela do Gil de Meia Noite em Paris. Fiztgerald, Dali, Hemingway e Picasso aqui são Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Tiradentes. Rola uma sensação de exumação, uma mistura de reminiscências da época de escola com deslumbramento por me impressionar com aquilo tudo como também o fizeram Guignard, Drumond, Vinícius. Ouro Preto é tudo que eu imaginava, mas que não dá para descrever. Passear de dia pela Rua São José é mergulhar na história. Caminhar à noite é entender porque Olavo Bilac escolheu aquele lugar para refugiar-se no passado. Ali todo parnasiano vira barroco, inevitavelmente.
Pois bem, Igrejas. Cristão ou não, conhecer as singulares Igrejas de Ouro Preto é a principal atração da cidade. De cara, já visitamos a famosa Igreja de São Francisco de Assis, cujo projeto e construção foram de Aleijadinho e que possui a mais famosa das obras do mestre Athaíde. De tudo que se vê na região, certamente essa é a obra máxima do chamado barroco mineiro e um guia é fundamental ali, para explicar as nuances da arte, especialmente as questões controvertidas sobre os estilos relacionados (há quem diga que o barroco mineiro não é barroco, mas sim rococó, que seria uma escola autônoma, só para dizer o mínimo) e toda a história dos artistas envolvidos. O local é cheio de peculiaridades interessantes, como o porquê das torres serem diferentes do usual (inspiradas em estilo militar), a bela pintura do teto representando a Assunção de Nossa Senhora, dentre outros. Visita fundamental.
Gostei também da Matriz Nossa Senhora do Pilar. De 1733, é considerada a obra mais esmerada do barroco mineiro, tendo sido utilizados mais de 400kg de ouro em sua composição. O Museu de Arte Sacra anexo também é interessante, apesar da falta de informações precisas ao visitante sobre o que está vendo. Outra interessantíssima é a Nossa Senhora do Rosário, de formato circular, também cheia de detalhes que só especialistas conseguem apontar. E há ainda a famosa Igreja de Nossa Senhora da Conceição, construída no século 18, onde está enterrado o Aleijadinho, que infelizmente fechou para visitação um mês após a viagem descrita nesse post, por problemas estruturais (fevereiro/2013). Pelo que se lê aqui, todo o acervo do museu anexo foi transferido temporariamente para a Igreja São Francisco, onde ficará até que seja feito o restauro.
Outro passeio imperdível é a Casa dos Contos. Construída em 1787 como fundição do ouro, já foi prisão para os inconfidentes (não deixe de visitar a solitária) e senzala de escravos (área muito bem preservada que torna a visita impactante e obrigatória). Hoje em dia serve de centro de estudo do ciclo do ouro e museu de moedas dos séculos XVIII e XIX. Foi o local que mais gostei de visitar, especialmente por ter sido modernizado priorizando-se a conservação do aspecto original, sem perder o charme antigo. Aqui é outro local em que um bom guia faz a diferença, exceto pelo museu de numismática que não é tão interessante.
O tempo escasso nos impediu de visitar o famoso Museu de Ciência e Técnica de Ouro Preto e seu elogiadíssimo setor de História natural e metalurgia, que tem uma das maiores coleções do mundo. Também não pudemos visitar por dentro o Teatro Municipal de Ouro Preto (antiga Casa de Ópera), o mais antigo da América do Sul, por não haver nada na programação naquele dia. Se conhecê-lo for fundamental, planeje.
E ao final do dia, mais uma surpresa: a Mina Chico Rei. Como já havíamos conhecido a Mina da Passagem, nem sequer cogitamos visitar outra mina, porém seguindo o conselho do nosso guia fechamos nosso agitado dia no local. Muito elogiada no Trip Advisor, esta aqui é ainda mais visitada que a da Passagem, provavelmente por ser mais próxima do centro de Ouro Preto. Imensa, a mina é conhecida pela história inusitada, onde teria trabalhado o mítico Chico Rei, escravo trazido do Congo que de tão aplicado ao trabalho, conquistou sua liberdade e comprou a mina do antigo patrão. A visita é mais curta, porém mais interessante e técnica, sem a aventura do troley e o clima de fantasmagórico da primeira, porém bem mais informativa e tranquila.
Exaustos, voltamos a pousada para um bom banho e um cochilo revigorante para a seguir jantarmos no estrelado Bené da Flauta, localizado num belo casarão na região da Praça Tiradentes, bem próximo da Feira de Artesanato em Pedra Sabão (ótimo lugar para comprar lembrancinhas de muito bom gosto, aliás). O ambiente interno é excelente, as mesas muito bem dispostas e decoradas e os pratos muito criativos e deliciosos. Exploramos muito bem o cardápio, cujo especialíssimo tropeiro é o carro-chefe. Gostei muito do chopp artesanal local Falkebier também. Destaco, ainda, a bela vista para as montanhas de um lado e para a Igreja de São Francisco do outro. Só um “porém” quanto ao atendimento, um tanto mal humorado, mas que não chegou a comprometer.
Por fim, algumas dicas:
1 – Calçados
Fui contra todos os conselhos e deixei o tênis em casa. O dia estava muito quente para usar meias, então vesti uma papete velha de guerra e enfrentei aquelas pedras escorregadias o dia todo, num sobe e desde sem fim. Não tive qualquer problema, então posso dizer sem medo de errar que o tênis é fundamental apenas se houver chances de chuva. Aquele calçamento antigo certamente escorrega demais quando molhado. Fiquei dolorido ao final do dia, sim, mas foi aquele dolorido bacana, de dia bem aproveitado.
2 – Pousada
Como contei aqui, devido a um contratempo às vésperas da viagem, meus amigos e eu fomos obrigados a escolher uma pousada longe do centro, o que nos obrigou a descer de carro ao centro em todas as ocasiões. Não que descer à pé seja complicado, mas o caminho não tem tanto interesse que justifique gastar o tempo nele, com tanta coisa para ver noutros cantos da cidade. Caso sua estadia seja mais longa que a minha, pode ficar sem medo na Pousada Geraes, especialmente se o objetivo noturno for curtir um bom restaurante ou algum boteco e dormir razoavelmente cedo para enfrentar o dia seguinte. E digo isso por conta da imensa agitação noturna da cidade, sobretudo próximo às repúblicas estudantis. Não vi nada de muito “grave” por lá, mas tive a felicidade de visitar a cidade entre o Natal e o Reveillon, época em que todos os estudantes voltam para suas casas nas cidades de origem e a cidade fica (muito) mais tranquila.
Atualização 2018: Tive a felicidade de retornar à Ouro Preto este ano e fiquei na Hospedaria Antiga. Localizada num prédio histórico lindíssimo, estilo colonial, está localizada no centro histórico de Ouro Preto, perto da Igreja de São Francisco de Assis e do Museu do Aleijadinho. Tem wi-Fi de boa qualidade, estacionamento gratuito (mas dá pra parar na rua também, super tranquila). Os quartos são incríveis: tetos altos, janelas grandes e vista para o jardim. Tem TV, frigobar , recepção 24 horas, um café-da-manhã incrível, servido em um salão com um ambiente especial, com acabamentos de pedra e móveis do século XVIII (destaque para a qualidade das frutas, sucos naturais, queijos etc.).
Como bom aprendiz-historiador, fiquei apaixonado pelo lugar e pesquisei sua origem, que remonta a José Pedro Xavier da Veiga (1846-1910) eleito Deputado em 1873 (e reeleito para mandatos de 1874-75; 1876-77; 1878-79) e senador em 1882. Esposo de Dona Luíza Augusta Amaral, filha do Coronel Teixeira Amaral, mudou-se para Ouro Preto em 1878, onde se dedicou apenas à política e às letras, vindo morar na casa que hoje abriga a pousada.
Há curiosidades incríveis sobre o assunto. A mais bacana é que Xavier da Veiga teve seis filhas, cada qual com seu quarto com direito ao nome escrito em placas de metal que ainda estão lá, nas suítes da pousada. Na mesma casa, também instalou-se a tipografia em que se imprimia o antigo “Diário de Minas”, na área que é hoje a cozinha e salão de café da pousada. Na mesma casa, Xavier criou o Arquivo Público Mineiro em 1895 e foi nomeado seu primeiro diretor este permaneceu na casa até 1901.
Em 1897, publicou as “Ephemérides Mineiras”, fruto de intensa pesquisa, redigido após vasculhar tudo que havia em matéria de documentos e impressos em geral, realizando um dos maiores compêndios já vistos sobre os até então 232 anos de história das Minas Gerais. Saiba mais sobre o trabalho de Xavier da Veiga no trabalho de Bruno Franco Medeiros, que você pode baixar aqui.
Gostei muito de ficar no casarão e passeio horas muito agradáveis por lá. Quem gosta de história e não faz questão de uma hospedagem de luxo, não pode ficar em outro local!
3) Carro?
Outra questão ligada ao local onde se está hospedado é o transporte. Estacionar o carro em Ouro Preto não é fácil, sobretudo no começo da manhã e final de tarde. As vagas em dias úteis têm os horários mais variados e loucos que eu já vi, com restrições ainda mais peculiares para os dias da semana em que é permitido usá-las. Nesse dia que passamos inteirinho andando à pé, o carro ficou parado próximo à Praça Tiradentes, mas não no bolsão central, cheio de flanelinhas um tanto deselegantes. Prepare-se para isso caso usar um carro faça parte da sua viagem.
3. Andar com calma
Cada centímetro de Ouro Preto importa e enriquece. Suas centenas de construções históricas remetem a um passado interessantíssimo cultural e politicamente a qualquer brasileiro e caminhar por suas ladeiras traduz esse sentimento em civilidade. Muitos dos imóveis possuem placas explicativas de seu passado histórico ou de algum ilustre morador antigo. O projeto Museu Aberto – Cidade Viva deu um tapa nas plaquetas recentemente, depois de uma ampla pesquisa histórica, oral e arquivística, mas infelizmente não têm um catálogo bacana disponível na internet (ou no fraquíssimo centro de informações turísticas). Recomendo, para roteirizar a visita, dar uma boa olhada na lista que blog Bom Será criou. Um belo e importante trabalho que certamente vai enriquecer muito as andanças pela cidade, assim como alguma leitura relacionada. Incluo aqui o interessante livro do Pedro Doria, 1789, que trás uma visão diferente da Inconfidência mineira.
Há muitos lugares que eu gostaria de ter visto e que vão ficar para a próxima vez, como o Parque do Itacolomi, o Mirante da UFOP, quem sabe o Trem da Vale ou mesmo alguns dos mais de 20 museus da cidade. O fato é que não adiante estressar: não dá pra ver tudo de uma vez.
Minha dica é deixar a trip te levar. Vá fazendo o que dá e o que os nativos recomendam. Assim você não se cansa e sempre pode voltar, com mais planos, mapas e vontades.
A seguir: Santuário de Bom Jesus de Matosinhos e Santuário do Caraça.
2 comentários em “Reveillon Mineiro, Dia 04: Ouro Preto”