Atualizado em 28/04/2017
Visitar o fim do mundo sem gastar muito é uma tarefa complicada, mas não impossível. Como falei no relatei no post anterior – Mochilão, Neve e Natureza em Ushuaia, comprei minha passagem pela Aerolineas Argentinas porque era a única que oferecia Ushuaia na opção “múltiplos destinos”. Esta é a primeira dica: se você não pretende visitar Buenos Aires nessa viagem, compre os trechos São Paulo – Buenos Aires – Ushuaia nesse formato, pois sairá bem mais barato do que comprar os trechos separados. Tentei também Avianca, Tam e Gol, mas em qualquer opção ficava bem mais caro. Se você optar por ir na baixa temporada (abril/maio ou setembro/outubro) também pode se arriscar e comprar apenas o trecho que vai para a capital. Deixar para comprar a passagem para o fim do mundo por lá pode sair mais barato. Na alta, nem pensar.
E por falar em temporada, mesmo que seja primavera ou outono no hemisfério sul, como a cidade é a mais austral do mundo, a neve é garantida, especialmente nos locais mais altos como os cerros. Portanto, prepare-se para eventuais atrasos por conta de mau tempo. Também por conta do clima, vale a dica: Ushuaia reúne lagos, montanhas, cachoeiras, picos, florestas, geleiras, rios e ainda por cima está localizada numa baía. Atividades não faltarão, portanto, vale a pena pesquisar bem o que se quer fazer para chegar já com um itinerário na cabeça.
Quando ir
Viajando para Ushuaia no outono ou na primavera, você gastará menos e terá menos concorrência nos passeios. Entretanto, não poderá esquiar, nem curtir o agito dos centros invernais. No verão é tão alta temporada quanto no inverno, então prepare-se para gastar e conviver com muitos turistas durante os passeios. Como compensação, os dias são mais longos, chegando a quase 17 horas de sol, possibilitando esticar as trilhas do Parque Nacional, além de ser esta a estação dos pinguins. Fora do verão, dificilmente você os verá. Não há milagres aqui e é preciso fazer escolhas. É a terrível verdade.
Deslocamento e onde ficar
Para gastar menos com transporte, procure usar os remises, que nada mais são que táxis particulares, em que você divide o custo do transporte com outras pessoas que vão ao mesmo lugar que você. Hospedar-se próximo ao centro também trará uma bela economia de tempo e dinheiro.
No meu caso, fiquei no Antarctica Hostel, que é muito bem localizado e perto de tudo. O hostel é bastante animado, a limpeza em geral é razoável, o piso aquecido é um bom destaque e as instalações amplas são suas maiores qualidades. Os quartos são simples, bem aquecidos, bastante limpos, com roupas de cama novas e contam com lockers de bom tamanho junto à camas bastante confortáveis. O café da manhã têm ovos, um doce de leite delicioso, cereais variados, café, leite, pão, geléia e manteiga, mas não há frutas e os sucos são industrializados (nada que não se possa comprar no mercado próximo). As instalações comuns são boas e a cozinha pode ser usada pelos hóspedes, o que também gera uma boa economia. No bar há cervejas, vinhos e destilados variados a preços razoáveis (atenção: não permitem trazer bebidas alcoólicas de fora). O atendimento é muito bom, especialmente nas dicas para os passeios e atrativos da região, inclusive quanto ao agendamento, que cobra preços levemente similares aos vendidos nas agências. Se você reservar pelo Booking.com (fiz assim e não tive problemas) pode trocar e-mails com eles a respeido dos passeios disponíveis antes mesmo de ir. Gostei.
Moeda, compras e passeios
A moeda utilizada na Argentina é o peso argentino, mas dólares são amplamente aceitos em Ushuaia, inclusive com preferência à moeda local por alguns, já que o governo atualmente restringe sua compra por cidadãos argentinos. O câmbio paralelo é muito utilizado por turistas atualmente e se feito fora da rua costuma ser bastante seguro. A melhor cotação que encontrei em setembro/2014 foi na loja de ursinhos de pelúcia que fica na Avenida San Martin: um dólar valia onze pesos. Outra boa opção é o cassino na Rua Augusto Lasserre (transversal a San Martín), onde o câmbio estava um para dez. O Hotel Antarctica Argentina também é boa opção, principalmente por ser 24 horas. O câmbio do real estava um pouco padronizado em todos eles: um real valia quatro pesos.
O ideal é trocar seus dólares aos poucos conforme for gastando. Cada estabelecimento usa uma cotação diferente para o dólar, então costuma ser mais fácil, prático e barato pagar em pesos argentinos. Não recomendo usar cartões de crédito: são amplamente aceitos, mas na volta você pagará o câmbio do dia em que vence a fatura, além de ter de pagar IOF. Não compensa.
Ushuaia é conhecida por ser isenta de impostos, daí sua fama de preços baixos para equipamentos de neve, roupas e acessórios. Entretanto, não vi nada de barato por lá, provavelmente porque o isolamento da cidade compensa sua isenção. Em tempos de dólar alto no Brasil, provavelmente essa situação não mudou.
Os passeios também são um pouco caros. O passeio mais caro é a travessia 4×4 dos lagos, que custou $700. A navegação pelo Canal Beagle (com Ilha dos Pássaros, Farol Les Eclaireus e Ilha dos Lobos Marinhos, sem pinguinera) saiu por $400 e foi o segundo mais caro. Daí pra baixo os preços são melhores: a entrada do parque nacional ficou em $110, mesmo preço do presídio. Todos os outros museus custam metade disso.
Supermercado
Uma dica bacana, se o seu hostel permitir, é fazer compras nos mercadinhos. No supermercado La Anonima, uma Quilmes de 1L custava $16,49 (quase o preço da long neck nos restaurantes mais caros); um refrigerante de 250ml saía em média $6,50.; uma cerveja artesanal Beagle (deliciosa) pequena saía $12,90 (há um pack com três por $50!); uma cerveja artesanal Cape Horn (igualmente boa) custava $13. Outra boa dica é fazer todas as suas compras nesse supermercado, que tem os melhores preços da cidade para vinhos (paguei metade do preço brasileiro num Postales del Fin del Mundo!) chimmichurri e doce de leite. Especialmente quanto a este último, esqueça os arranjos bonitinhos com o doce nas lojinhas. As marcas do mercado são as mesmas, vem com mais doce e o preço não tem comparação!
Onde comer
Esta é seguramente a parte mais difícil: comer bem é muito caro em Ushuaia, especialmente se você quiser experimentar a comida típica da região. Um cordeiro patagônico (ou fueguino, tanto faz) custa em média $120; a centolla não sai por menos de $225; a merluza negra custa por volta de $160 e qualquer corte de carne argentino vai te custar por volta $100, acompanhado apenas de batatas. Os restaurantes que tem essas iguarias a preços mais razoáveis são o Banana e o Marcopolo. Os pratos são menores e mais baratos no Polo, mais requintado, mas as bebidas são carinhas por lá (uma Beagle ou Cape Horn 330ml saem por uns $35). O Banana é mais jovem, informal e baratinho mesmo. Dica: a merluza negra é o prato típico mais gostoso e o mais barato dos três – vá nela se tiver que escolher. A centolla é mais gostosa e custa o mesmo na região central do Chile. Pode deixar para comer lá se estiver nos seus próximos planos.
Quanto às famosas carnes argentinas, os preços também não fogem à regra, mas se você ainda não conhece e não pretende voltar ao país tão cedo, não deixe de experimentar. Em Ushuaia você encontra um churrasco diferenciado (churrasco patagônico, feito no chão, com a carne fincada na terra em espetos, ligeiramente voltada para o fogo) e também os cortes padronizados.
Os cortes argentinos mais comuns são Bife de Chorizo (nosso contrafilé, mais alto), um filé de carne de costela chamado de Bife Ancho, o Vacio (nossa fraldinha), a Tapa de Cuadril (algo parecido com a nossa picanha, porém com a gordura no meio da carne, não na ponta), a Colita de cuadril (uma maminha mais gorda) e o famoso lomo (nosso filé mignon, mais alto). Lembre-se que o ponto argentino é menor que o nosso (o argentino prefere a carne ligeiramente mais mal passada que o brasileiro) e que em geral a carne não é temperada (ou leva no máximo sal). Geralmente molhos como o chimichurri é que darão o sabor à carne, depois de servida.
O que vestir
Dúvida recorrente dos mochileiros brasileiros que vão à Patagônia, roupas de frio ocupam lugares na mochila e pesam bastante, por isso, a escolha deve ser feita com cuidado.
Para começar, calçados: um par de tênis e uma bota de trekking devem bastar. A bota me foi especialmente útil nas trilhas do Parque Nacional, nas pequenas caminhadas na travessia dos lagos e nas trilhas dos Cerros del Medio e Martial. Botas de caminhada de cano alto são confortáveis, quentes, impedem que a neve entre quando o chão estiver muito fofo e previnem torções de tornoselo. Apenas uma observação: eu levei uma bota barata, de marca genérica, que não aguentou o tranco. Caminhei cerva de 30 km entre Ushuaia e El Calafate, com bastante neve e gelo, o que soltou a cola do solado e destruiu o calçado, felizmente apenas no último dia da minha viagem. Mas fica a dica: o ideal é levar um calçado de boa qualidade ou próprio para neve.
Quanto às roupas, o ideal é investir em camadas. Uma segunda-pele junto ao corpo (calça e camiseta de manga comprida) um fleece comum , uma jaqueta que corte o vento (especialmente para a navegação no Beagle) aliada a um cachecol além de um gorro sintético são absolutamente suficientes para temperaturas em torno de zero graus no parque e nos cerros durante o dia. Se você for acampar, talvez precise de um pouco mais, além de um saco de dormir de temperatura apropriada.
Tenha em mente que a estrutura da cidade é boa e preparada para o frio: como quase todos os ambientes tem calefação, se você não vai passar o dia todo exposto ao clima, não é necessário sair com muita roupa. Usei a segunda pele de calça todos os dias, mas a de camisa só usei no parque e nos cerros. Nas demais situações, não vi necessidade. Não é necessário trazer um grande número de peças, basta usar a lavanderia do hostel em que você ficar deixando as roupas pela manhã e pegando ao final do dia. Carrega-se menos peso e o preço é bem razoável.
Antes de ir
Vale a pena investir em um pouco de leitura para situar-se numa região tão rica em cultura e icônica em meio ambiente.
Se você não gosta de ficção, vale a pena adquirir ao menos um Lonely Planet da Argentina, ainda que um exemplar mais antigo, usado. O guia trás não só informações práticas sobre atividades ao ar livre, transporte, gastronomia e hotéis, mas também fala bastante sobre cultura, história e geografia. É um com companheiro de leitura no ônibus, à noite quando o sono não vem e também para consultar os mapas, que são muito úteis para planejar roteiros. As dicas de hotéis e restaurantes são um tanto careiras (ou se tornam, depois de mencionadas no guia) mas o restante das informações costuma ser bastante fiel à realidade. A partir de R$45 nas livrarias virtuais e pela metade disso nos sebos por aí.
Se prefere um draminha, recomendo “O Velho Expresso da Patagônia”, de Paul Theroux. O romancista norte-americano escreve sobre viagens como ninguém, narrando minuciosamente suas aventuras, com muita observação, paixão e senso crítico. Seus livros são gostosos de ler e sua fluidez atrai múltiplos públicos. Atualmente não há uma edição em português em tiragem, mas os capítulos/contos mais representativos estão em “Até o Fim do Mundo“, coletânea editada pelo próprio autor com seus melhores textos. E apesar de estarmos na América, falta tão pouco para chegar à Antártica que aí vai uma dica muito natural: “Rumo ao Polo Sul“, de Diana Preston, que narra a derradeira expedição ao Polo Sul do inglês Robert Falcon Scott , na época da corrida do começo do século passado pela última fronteira da Terra. O trecho a seguir dá o tom do livro: “se tivéssemos sobrevivido, eu teria uma história para contar da bravura, resistência e coragem de meus companheiros, que iria tocar o coração de cada inglês. Estas poucas notas e nossos corpos sem vida contarão a história”. Simplesmente a obra mais intensa que li, desde “No Ar Rarefeito“, de John Krakauer.
Acrescentado em 28/03/2017: Recentemente tive a sorte de ler “A Incrível Viagem de Shackleton“, de Alfred Lansing. O relato é um pouco mais sóbrio que o de Diana, mas as descrições naturais e os detalhes da viagem são ainda mais vivos, instigantes e temperados com uma análise fria sobre a tenacidade e o magnífico espírito de liderança do irlandês que partiu no verão de 1914 a bordo do Endurance com o objetivo de cruzar o continente antártico. A apenas um dia do ponto de desembarque planejado, o irlandês é aprisionado num banco de gelo no mar de Weddell e acaba sendo destruído. A obra narra os quase seis meses em que Shackleton e sua tripulação sobreviveram flutuando em placas de gelo em uma das mais inóspitas regiões do mundo, até que conseguem iniciar sua tentativa de retorno à civilização nos botes salva-vidas. Atualmente em promoção na Amazon.
Agora, se o seu negócio é mais VER que LER, não perca Mar Sem Fim – Viagem à Antártica, disponível no Netflix e no site oficial do projeto. O documentário é dividido em cinco partes e narra uma das viagens do famoso barco capitaneado por João Lara Mesquita, que começa no litoral brasileiro com destino ao continente de gelo, passando pelos canais da Patagônia, com destaque especial para a Terra do Fogo e a cidade de Ushuaia, mostrando aspectos culturais, fauna, flora e suas mudanças provocadas pelo aquecimento global . Uma bela preparação para o que se vai conhecer na região.
E por falar em aquecimento global, Antarctic Edge: 70° South (2015, também no Netflix) mostra o trabalho de cientistas que exploram o oeste da Península Antártica para examinar o acelerado derretimento do manto de gelo, nesta que é a região de mais rápido aquecimento da Terra. Os dados são alarmantes e as imagens sensacionais. Vale a pena para ter uma prévia da vida no frio e quem sabe aguçar um pouco mais o espírito aventureiro para seguir ainda mais ao sul depois de conhecer Ushuaia.
Finalmente, dê uma passadinha no blog do fotógrafo Carlos Faller. O cara clicou e catalogou inúmeras aves da região da Patagônia, especialmente em Ushuaia. Vale a pena para reconhecer algumas aves durante os passeios e nas suas fotos.
Veja também o relato de viagem para El Calafate, um pouco mais ano norte da Patagônia, para onde me dirigi logo que deixei Ushuaia.
Aproveite as dicas e boa viagem!
Qual a marca de bota que soltou o solado? Qual grda blusa fleece levou ?
Valores em pesos argentinos, pessoal. 🙂
Gisele, esses valores em $ são pesos argentinos. Voltei agorinha de Buenos Aires e a cotação tá em cerca de 1 pra 12.
Quero ir pra Terra do Fogo antes do verão. As dicas ajudarão muito!
Os valores que vc menciona, são em dólares ou pesos?
Pesos argentinos, Gisele.