Quando tinha 12 anos, numa noite estrelada, eu e um amigo passeávamos de motocicleta defronte ao cemitério da Goiabeira, na Lapa, quando o veículo pifou. Paramos para consertar, quando eu olhando para cima vi umas estranhas formas flutuando sobre o cemitério. Meu amigo também viu e não bastou um segundo para, empurrando a motocicleta, corrermos até nossas casas. A partir daquela noite não conseguia mais dormir de luz apagada, não saía sozinho à noite e estava chegando à beira da loucura. Ao completar 18 anos, disposto a casar e sem conseguir livrar-me da horrível visão, encorajei-me a um tratamento de choque: numa noite de sexta-feira, sozinho, pulei o muro do cemitério da Consolação e comecei a caminhar para a Cruz das Almas. Era verão e a noite estava estrelada. Quando olhei para o alto, tornei a ver as estranhas figuras. Apesar de todo o terror, continuei, cheguei próximo ao túmulo de onde saiam as figuras e por eles passei, sem que nada me acontecesse. No dia seguinte comecei a procurar uma explicação cientifica para o fato. Falei com religiosos, cientistas e amigos. Mas só num livro, na biblioteca municipal, que descobri algo sobre fogo-fátuo. E achei uma explicação que me satisfazia. A partir desta data José Mojica Marins passou a crer apenas no poder do pensamento. Isto sim, acredita demais.
Aramis Millarc, originalmente publicado em 10 de janeiro de 1975
Sexta-feira 13, blablabla, as reportagens são sempre as mesmas. Esse ano, entretanto, o iG resolveu inovar e substituir os velhos textos requentados sobre lendas e mitos relacionados por uma curta porém interessante reportagem sobre os cemitérios de São Paulo e seu desconhecido valor turístico. Eu que já tive uma fasezinha dark na vida (e ainda hoje cultivo uma pequena veia gótica no dedão do pé) lembrei de um tour que fiz cerca de uma década atrás no Cemitério da Consolação. É, no cemitério mesmo.
Muita gente estranhava naquela época e alguns até passaram a me olhar de um jeito meio desconfiado desde aquele dia, mas o fato é que conhecer aquele cemitério encravado no coração da capital paulista foi uma experiência sensacional. Cemitérios sempre chamaram minha atenção em qualquer destino que visito, porque os enxergo como um norte da história local, uma bela e autêntica fonte de informações sobre a cultura do lugar. Infelizmente, poucas pessoas pensam assim.
Segundo informações da Revista de Estudos Turísticos da ETUR, uma série de manifestações artísticas nos túmulos e lápides podem ser encontradas Brasil afora, mas quase todas perdem o seu encanto e beleza pelo tom fúnebre e sombrio dado aos cemitérios pela crendice popular. Obras de escultores renomados como Victor Brecheret valem uma fortuna, são expostos com pompa e cerimônima em salões nobres e praças públicas bem localizadas, mas existem esculturas do mesmo autor que permanecem sobre túmulos de cemitérios aleijadas de segurança, cuidados e visitantes, demonstrando que o espaço em que a obra está localizada influencia significativamente no valor que a sociedade lhe atribui.
Infelizmente faz parte de nossa cultura ignorar os antepassados e incentivar os jovens em sua cega avidez por velhas novidades repaginadas, incutindo na memória popular total desprezo pela tradição. É uma pena, pois essa visão limitada incentiva cada vez mais o consumo inconsciente, esse comportamento zumbi destrambelhado que arrasta o século XXI para um fim duvidoso. Pregar o equilíbrio e a racionalidade está fora de moda, definitivamente. Enxergar o antigo como ele é – antigo – não deveria ser um fardo para os novos de hoje. Quem sabe pindurando um abadá na escultura?
Olhar para o passado ruim é evitar que se repita e admirar o que foi feito de bom é inspirar-se para fazer mais, mas a jovem sociedade brasileira infelizmente ainda relega sua memória ao esquecimento. Não importa, com o tempo aprenderemos a importância de respeitar o que é relevante e um dia nossa mentalidade mudará para melhor. E os cemitérios estão aí, como um retrato cruel da situação de penúria que a cultura brasileira vive hoje.
Interessou? Comece pelo filé: o Cemitério da Consolação.Verdadeiro museu a céu aberto, o cemitério foi oficialmente aberto em 15 de agosto de 1858 e lá estão enterradas diversas personalidades de nossa história, cercadas de obras de arte por todos os lados. Túmulos de unanimidades como Monteiro Lobato, Ramos de Azevedo, José Bonifácio, Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade, esculturas de Victor Brecheret, Alfreto Oliani, muita caminhada, cultura e história para contar aguardam os turistas, supersticiosos ou não.
Atualmente a Prefeitura de São Paulo incentiva o estudo de arte tumular e possui diversos projetos em andamento, como as visitas monitoradas às obras do cemitério da Consolação.Vai lá que eu garanto que você não vai se arrepender. No site da prefeitura você também encontra textos sobre os costumes e rituais funerários na antigüidade e informações sobre os escultores e suas obras. Recomendo também três trabalhos sobre arte e exploração turística e de lazer dos cemitérios paulistas, disponíveis em PDF aqui, aqui e aqui. Boa leitura e boa viagem, no bom sentido, claro…